24 de setembro de 2019

Há 40 anos, um Bi Campeonato para Ficar na História

By Ivaldo Marciano, Grande Tricolor.

Este jogo tem uma História que diz respeito diretamente a mim e a Nilson.

O dia 23/09 caiu no domingo. Morávamos, nesta época, na Linha do Tiro, mais precisamente na Rua Eládio de Camboim. Esta rua fica às margens do Rio Morno, na Linha do Tiro. Desde sábado que convivíamos, eu e Nilson, com as tensões desta final. Meu avô, pai de Nilson, foi em busca de um sapo, destes a que popularmente nomeamos como "cururu". Para ele, a situação estava muito intranquila. O Náutico havia vencido a primeira partida por dois a zero, e ao que parece, estava com melhor plantel para vencer o certame.

Capturado o sapo, e vencido as resistências femininas em ter o batráquio em casa (minha avó, mãe de Nilson, não queria admitir a hipótese de ter um destes bichinhos em seus domínios), meu avô foi em buscas de velas nas cores vermelho e branca. Logo cedo, de posse dos charutos e dos nomes dos jogadores do Náutico, cada qual amarrado com seus respectivos retratos, em fitas que estavam atadas ao sapo em questão, meu avô preparou tudo isto em meio a uma seriedade fidagal. Quem não o conhecesse diria que se tratava de um autêntico catimbozeiro da época, personagem muito comum do Recife destes anos de 1970. Nilson e eu perguntávamos a ele o que era aquilo, e como um bom homem que aparentava ter conhecimento da magia, nada disse a respeito. Aqui me parece que meu avô havia lido O Ramo de Ouro, de Frazer, que aludia ao fato de que a eficácia da magia está diretamente associada ao segredo, e este, em termos de catimbó, era fundamental.

Neste dia, 23/09 (domingo), meu avô foi ao jogo com seu "pacote" e mais o conluio com Lyra, antigo cuidador do gramado coral. Estava tudo combinado para que meu avô tivesse acesso ao estádio, e assim pudesse jogar o “pacote” o mais próximo possível dos jogadores do Náutico. Ao ter seu acesso ao campo liberado, meu avô jogou o sapo na direção destes e se retirou do campo. Talvez meu avô fosse um antropólogo empírico, e soubesse que a magia, para ter eficácia, necessitaria da crença dos envolvidos. Evans Pritchard, antropólogo da escola britânica, sabia que os azandes acreditavam em suas práticas mágicas, mas que estas não possuíam eficácia entre aqueles que não eram Azandes. Isso ele discorre de forma brilhante no livro Bruxaria, Magia e Oráculo entre os azandes.
Certamente meu avô estava convencido de que isto, o sapo, iria impressionar os jogadores do Náutico. E assim o fez.

Jogado o pacote, um dos membros da comissão técnica se assusta com o fato e chuta o pacote em direção ao campo, não sem antes ter feito algo que nos dias hoje seria considerado “politicamente incorreto”, no caso, colocou a genitália para fora e fez “xixi” em volta do sapo com todas as suas paramentas. Este, o sapo, foi ao meio do campo, corroborando com a tensão e o medo do feitiço, como diria Yvonne Maggie em livro de nome análogo.

O resultado de tudo isto foi que o Náutico abriu o placar e terminou perdendo o jogo por três tentos a um, com gols marcados por Joãozinho, ainda no primeiro tempo, Betinho e Carlos Alberto Barbosa, no segundo tempo. O detalhe é que mesmo o Santa Cruz tendo vencido os três turnos, o Náutico vencera duas partidas seguidas, e estava com toda a moral para levar o campeonato para a Rosa e Silva.

Este foi mais um título que teve como participação os abnegados torcedores do Santa Cruz, e meu avô, neste dia, foi premiado com as comemorações dos amigos que lhe festejaram ao máximo. Ele também viu a charge do dia seguinte, que era publicado no Diário de Pernambuco, ter um sapo em meio ao campo e os desenhos de uma cobra coral esfuziante, em cima do timbu derrotado.

As memórias do Santa Cruz, e daqueles que o defendem ao máximo, são fundamentais para entender o que de fato significa SANTA CRUZ.

Ivaldo Marciano, neto de Seu Lima, e nas horas vagas, Prof. de História da África da UNEB DEDC II.